Três mulheres: Fernanda Alves, Elen Oliveira e Yasmin Evangelista. Juntas, elas têm três coisas em comum: a profissão! São jornalistas; a origem: Alagoas. E, neste final de semana, estarão lançando seus livros na 11ª Bienal. Ou seja, mais uma coincidência: elas se identificam com o processo criativo de escrever uma obra literária.
Em entrevista exclusiva ao Alagoas Notícia Boa (ALNB), as autoras contam um pouco sobre o processo literário e os maiores desafios durante a escrita e a publicação das obras.
Entre a vida militar e a vida acadêmica: um sonho que trouxe outro sonho junto
A primeira entrevistada é a policial militar Fernanda Alves, que lança a obra “Polícia, substantivo feminino: memória e pioneirismo das mulheres soldados na PM alagoana”, fruto de sua dissertação de mestrado, que aborda a memória e a trajetória das primeiras mulheres a ingressarem no serviço militar em Alagoas.
A jornalista lançará seu primeiro livro e conta que escrever é uma paixão que a acompanha há um tempo.
“Sempre amei escrever, desde pequena. Mas a gente vai vivendo, e escrever, publicar um livro era um anseio antigo que estava adormecido, assim como o anseio pela carreira acadêmica, porque eu não imaginava que um sonho me traria o outro junto. Em agosto de 2024, terminei meu mestrado e, logo em seguida, surgiu a oportunidade de transformá-lo em um livro. E cá estou eu”, conta Fernanda.
O processo de escrita contou com diversas inspirações. Ser jornalista foi a primeira delas. Fernanda se formou em Jornalismo na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em 2010. A escrita encontraria outro caminho logo em seguida: a carreira militar, profissão que seu pai escolheu, mas nunca aconselhou para a filha.
“Meu pai faleceu logo após a formatura. Em 2012, prestei o concurso e, quatro anos depois, ingressei na PM, algo que ele não chegou a ver. Meu pai é o maior exemplo de amor à farda, dedicação, luta e estudo”, relata Fernanda.
O livro “Polícia, substantivo feminino: memória e pioneirismo das mulheres soldados na PM alagoana” será lançada no dia 2 de novembro, às 19h, no estande da Edufal.
Memórias da infância e resposta à filha Beatriz
Elen Oliveira é a segunda entrevistada. O livro “Olhos de Jabuticaba” fala sobre memórias da infância validadas pela mãe, irmãos, tios, avós e vizinhos de Elen — um olhar retrospectivo sobre a vida, o tempo e seus efeitos sobre quem somos.
A obra conta com ilustrações de Ed Oliveira, irmão mais velho da autora, falecido em junho deste ano. Em xilogravuras, bico de pena, pastel e acrílico em papel, ele reconfigura os cenários descritos, compondo a dinâmica iconografia da publicação — seu último trabalho autoral.
“Escrevi Olhos de Jabuticaba para minha filha, Maria Beatriz, que tem 24 anos. O livro nasceu de uma circunstância em que ela, pequenininha, questionou, de forma enfática e indignada, a inexistência de banheiros nas casas do sítio onde eu nasci. Essa pergunta gerou outras, ressaltando diferenças significativas entre a minha infância e a dela, separadas por 30 anos. Para atender à curiosidade da minha filha pequena, fui recompondo o tempo, cenários, personagens, cheiros, cores, sabores e percepções relacionadas à minha infância, inicialmente de forma pontual, depois de modo mais organizado, sistemático. As reações dela a determinados aspectos da narrativa foram iluminando e formatando esse livro. Quando ela estava adolescente, um dia li parte do que tinha escrito, e ela, que sempre foi leitora, disse que as minhas histórias deveriam virar livro, e cá estou”, explica Elen.
Para Elen, “Olhos de Jabuticaba” é como um relicário de coisas simples e duradouras. “Por meio do olhar de uma criança dos anos 1970, desvelam-se a uma criança dos anos 2000 personagens, modos de viver, costumes e expressões de um tempo e de um lugar marcados pela dificuldade e até pela migração, mas embelezados e redimensionados pelo olhar curioso e fantasioso da infância revisitada.”

O livro “Olhos de Jabuticaba” será lançado no dia 8 de novembro, às 16h, no estande da Secretaria de Estado da Comunicação.
Memórias de uma sertaneja e um sonho de ser jornalista
Por último, mas não menos importante, temos a jovem jornalista Yasmin Evangelista, que transformou suas vivências sertanejas em crônicas que a fizeram se tornar bacharel em Jornalismo.
“Escrever um livro sempre foi um sonho desde que eu era criança. Quando fui alfabetizada, já tive uma aptidão tanto para leitura quanto para escrita, e eu via que, escrevendo, conseguia me expressar melhor. Então sempre foi um sonho, sempre foi um plano. Eu sabia que, em algum momento da minha vida, iria lançar um livro e, aí, quando tive a oportunidade de fazer o TCC do meu curso em formato de um caderno de crônicas, pensei: por que não aprimorar e escrever um livro de crônicas, de fato, que é um gênero de que eu gosto muito?”, relata Yasmin.

O livro “Eu venho lá do Sertão e posso não lhe agradar” será lançado no dia 5 de novembro, às 16h.
Desafios no processo de escrita
Escrever um livro é um processo, muito bem explicado por Graciliano Ramos: “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício”.
“Começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa.”
Escrever é trabalho, retrabalho, lavagem, secagem. E esse processo foi vivenciado de forma diferente e intensa por Fernanda, Elen e Yasmin.
Qual foi a parte mais desafiadora do processo de escrita?
“Realizar uma pesquisa acadêmica completa, com levantamento bibliográfico, pesquisa de campo e consulta ao arquivo da Polícia Militar, analisando os dados funcionais da turma pioneira. Depois desse mapeamento, conduzir as entrevistas. Nessa etapa, meu lado pesquisadora e meu lado jornalista se uniram, tornando o processo enriquecedor e muito especial para mim. Embora a abordagem científica seja diferente do jornalismo, na minha trajetória acadêmica esses dois papéis se entrelaçam e se complementam. Tudo foi feito com muito cuidado”, conta Fernanda.
Já Elen destacou que a parte mais desafiadora foi organizar o editorial do livro. “A parte mais trabalhosa é dar sentido a uma escrita que não trata de uma história linear, sequenciada, mas de uma composição temática sobre fatos e impressões que remontam a décadas e envolve circunstâncias sensíveis, situações fragmentadas, difíceis de relembrar. Parei de escrever várias vezes; houve momentos em que passei anos sem nem sequer acessar o arquivo, mas seguia fazendo anotações com uma rubrica própria a ser desenvolvida: ‘notas para escrita’ e, depois, quando retomava o arquivo, ia encaixando, conforme o assunto”, conta Elen.
Em meio a tanta tecnologia e distrações, a parte mais difícil para Yasmin foi sair da zona de conforto e enxergar a verdadeira essência.
“A parte mais desafiadora foi quando precisei sair da minha zona de conforto, olhar para dentro de mim e ver de que forma eu poderia me aprimorar como escritora. Como falo muito sobre Sertão no livro, precisei revisitar alguns municípios localizados no Sertão, conversar com em torno de 50 pessoas, entrevistar essas pessoas, saber de que forma eu poderia transformar a história de vida delas em texto. Então, isso para mim foi o mais desafiador: precisar ir por meios próprios, conversar com essas pessoas e sair do meu comodismo”, conta Yasmin.
Todo escritor tem sempre uma parte favorita. Qual é a sua?
Fernanda: “Minha parte favorita é a etapa das entrevistas, o encontro direto com a memória viva da história. Foi quando os nomes deixaram de ser apenas uma lista e ganharam rostos, vozes e detalhes que não estavam em nenhum registro. Conversar com as pioneiras, com representantes dos oficiais e também com o Coronel Dimas, que acompanhou a formação das futuras soldadas, foi transformador. Minha parte favorita é justamente essa: ouvir quem viveu, dar forma e permanência às suas vozes. Encaro como uma honra — e também como uma grande responsabilidade — transformar esses testemunhos em história escrita.”
Elen: “Eu gosto particularmente dos capítulos que tratam da conexão com a leitura, da relação de proximidade com a escola e especialmente do que dá nome ao livro, sobre a forma respeitosa e festiva como nós fomos recebidos ao nascer. É uma escrita afetiva, socioemocional, contemplativa, que olha e vê as pessoas e seu entorno. Gosto especialmente das ilustrações com que o meu irmão, Ed Oliveira, fez; ele iluminou minha escrita. Esse foi o último trabalho autoral dele e foi feito em janeiro, numa semana em que nós nos reuníamos à noite, no quintal da nossa casa, em Paulo Jacinto; ele punha um refletor sobre uma mesa e desenhava enquanto eu lia trechos do livro. Foi um momento especial, de dedicação e resgate de nossa memória, que está eternizado em meu livro. E tem a capa maravilhosa, criada pelo diagramador Ronaldo Pontes sobre uma xilogravura do meu irmão.”
Yasmin: “A minha parte favorita do meu livro são as histórias sobre alguns familiares meus que, ao longo da vida, nas reuniões familiares, a gente acabava sempre conversando muito sobre a história do passado deles — da infância deles, de como era a vida antes de eu nascer — e eu sempre tive muito essa curiosidade de questionar e ir atrás das minhas origens familiares. Algumas histórias foram tão boas que me renderam alguns personagens no livro. Então, essa foi minha parte favorita: conhecer mais sobre a minha família, conhecer mais sobre a nossa origem, do lugar de onde a gente vem”, conta Yasmin.
Todo texto carrega um pouco de quem o escreve. Cite três características suas que ficaram marcadas no livro.
Fernanda: “Como se trata de uma escrita acadêmica, meus traços ficaram mais na forma de conduzir, de pensar, de humanizar e de deixar registrado. Os personagens contaram a história, e eu os utilizei como pesquisa e memória. Acaba que a minha característica ficou na obra em si.”
Elen: “A expressão descritiva e sensorial dizem que eu tenho uma história para cada assunto; a gratidão e o reconhecimento às pessoas próximas, que me forjaram e me trouxeram até aqui; o olhar contemplativo sobre o espaço, o tempo, as pessoas e as circunstâncias.”
Yasmin: “Se eu pudesse citar três características minhas que ficaram neste livro, eu falaria: cultura, orgulho – muito orgulho de onde eu venho, muito orgulho das pessoas que estão lá, muito orgulho de quem veio antes de mim – e muito pertencimento também, porque eu me vejo uma pessoa com a alma sertaneja. Eu costumo dizer que a pessoa que é do sertão é diferente; a gente trabalha, tem muito orgulho da nossa cultura, de quem somos, a gente ama nossa terra genuinamente. Só quem é sertanejo entende o sentimento de ser.”
