Maceió recebe, nesta quinta (26) e sexta-feira (27), a terceira edição do evento internacional Jumentos do Brasil: Futuro Sustentável. A iniciativa faz parte de uma força-tarefa global – formada por pesquisadores, órgãos públicos e organizações de diversos países, incluindo o Brasil –, que está intensificando os esforços para interromper o abate e a exportação desses animais.
O evento acontece no Hotel Ritz Lagoa da Anta, promovido pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com iniciativa da organização internacional de bem-estar animal The Donkey Sanctuary, sediada no Reino Unido.
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“Essa não é apenas uma questão de bem-estar animal. Estamos falando de um patrimônio genético único, adaptado ao semiárido do Nordeste brasileiro. Acreditamos que existem três caminhos sustentáveis para os jumentos no Brasil: viverem livres na natureza, continuarem a apoiar a agricultura familiar e serem reconhecidos e valorizados como animais de companhia”, afirma Patricia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil.
O evento integra uma campanha internacional crescente contra o comércio de peles de jumentos, impulsionado pela demanda crescente por ejiao – produto da medicina tradicional chinesa feito a partir do colágeno extraído da pele desses animais.
Segundo a The Donkey Sanctuary, pelo menos 5,9 milhões de jumentos são abatidos anualmente para abastecer essa indústria. Dados oficiais da FAO, IBGE e Agrostat indicam que o Brasil já teve uma das maiores populações de jumentos do mundo.
Hoje, no entanto, a situação é alarmante: o número de animais caiu 94%, de 1,37 milhão em 1996 para cerca de 78 mil em 2025. Isso significa que restam hoje apenas 6 jumentos para cada 100 que existiam na década de 90.
Campanha
A campanha Parem o Abate da The Donkey Sanctuary no Brasil defende a aprovação de dois projetos de lei: um em tramitação no Congresso Nacional (PL nº 2.387/2022) e outro na Assembleia Legislativa da Bahia (PL nº 24.465/2022), ambos com o objetivo de proibir o abate e a exportação de jumentos no Brasil.
Atualmente, a Bahia é o único estado com três abatedouros autorizados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) a abater equídeos – estabelecimentos que recebem jumentos de diversos estados do Nordeste.
Sobre o Workshop
O evento reunirá cientistas, especialistas em bem-estar animal, profissionais do direito, professores de universidades federais brasileiras e representantes de ONGs nacionais e internacionais.
Também marcará o lançamento oficial do relatório Stolen Donkeys, Stolen Futures no Brasil, com o objetivo de fortalecer a incidência por mudanças legislativas. O relatório documenta os impactos econômicos, sociais e ambientais do comércio de peles de jumentos no Sul Global, com ênfase especial em seus efeitos sobre mulheres e crianças em comunidades rurais.

Estudos recentes confirmam que o jumento nordestino possui um perfil genético distinto, o que torna sua preservação ainda mais urgente. Para Roberto Arruda, engenheiro agrônomo e doutor em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP), é fundamental concentrar esforços na pesquisa e no desenvolvimento de soluções que substituam o uso de peles de jumentos.
“Estudos já apontam alternativas tecnológicas promissoras, como a fermentação de precisão, capaz de produzir colágeno em laboratório sem a necessidade de exploração animal. Investir nessas inovações é essencial para proteger a espécie e promover práticas mais sustentáveis, inclusive sob a perspectiva socioeconômica”, destaca.
Essa iniciativa brasileira integra um movimento internacional mais amplo. Em fevereiro do ano passado, a União Africana aprovou uma moratória sobre o abate de jumentos para exportação – medida já adotada ou em discussão em países como Quênia, Nigéria e Tanzânia.
Se o Brasil avançar com legislação semelhante, o país poderá se alinhar à estratégia do Sul Global de promoção da sustentabilidade, bem-estar animal e proteção de meios de subsistência e de patrimônio genético único.
“Não podemos continuar sendo o elo frágil de uma cadeia internacional que lucra com a morte de um animal essencial para a vida de comunidades vulneráveis. É urgente que o Brasil alinhe sua legislação às boas práticas já adotadas por outros países do Sul Global”, aponta Pierre Barnabé Escodro, professor e pesquisador de Medicina Veterinária, Inovação e Empreendedorismo da UFAL.
Sobre o relatório
O documento Stolen Donkeys, Stolen Futures revela que o comércio global de peles de jumentos, impulsionado pela indústria chinesa de ejiao, tem impactos devastadores sobre mulheres e crianças na África.
Perder um jumento significa muito mais do que perder um animal: é o colapso das fontes de renda, abandono escolar (especialmente entre meninas), sobrecarga física das mulheres e aumento da insegurança alimentar e hídrica.
Em comunidades onde os jumentos são essenciais para o transporte de água, lenha e colheitas, sua perda empurra famílias inteiras para ciclos de pobreza quase irreversíveis.
O relatório também evidencia que a exploração desenfreada para atender à demanda de ejiao compromete objetivos globais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o princípio do One Welfare, que integra bem-estar humano, animal e ambiental.
Ao transformar jumentos em mercadoria, a indústria ignora os laços afetivos e econômicos entre mulheres e seus animais. O relatório conclui que proteger os jumentos é proteger a dignidade, a saúde e o futuro de milhões de famílias africanas.
Além do workshop, a campanha “Parem o Abate” inclui encontros com parlamentares, conteúdos para redes sociais e ações de mobilização com especialistas e influenciadores.
Para acessar o relatório completo da The Donkey Sanctuary, instituição internacional referência sobre o tema, clique aqui.
Para mais informações sobre a campanha, acesse: http://fimdoabate.com.br/.