“Recebo essa honraria da Universidade Federal de Alagoas tratando de coisa negra. E de coisa negra que dialoga com África-Brasil. Sou parte desse processo. Então, para mim, acho que foi o maior prêmio que eu podia receber enquanto tenho vida. Receber essa honraria nessa Bienal porque é a temática da minha vida, do reconhecimento da minha identidade. Para mim, não tinha título mais merecido na hora mais devida.”
Foi com esta frase que o professor Zezito Araújo celebrou o recebimento do título de Doutor Honoris Causa durante da 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, cujo tema é Brasil e África ligados culturalmente por seus Ritos e Raízes.
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A Bienal celebra,este ano, a confluência entre os países e demonstra um significado ainda maior para o homenageado que é considerado referência nacional na luta pela igualdade racial, na valorização da cultura afro-brasileira e na promoção dos direitos humanos.
“Zezito não é só uma personalidade, mas um precursor: a exemplo do próprio movimento do Neabi há mais de 40 anos e que hoje é uma constante em todas as universidades do Brasil. Se hoje a gente tem no Brasil um sistema de cotas para as universidades, de cotas para servidor público, isso começou com uma mobilização de que Zezito participou o tempo todo em nível nacional”, afirmou o reitor Josealdo Tonholo.
As cotas para as universidades começaram em 2013. “Zezito catalizou isso na Ufal ainda trabalhando com cotas sociais já nos anos de 99. A Universidade Federal de Alagoas foi uma das pioneiras em cotas. Não tem como falar de Zezito sem falar de 20 de novembro e a importância dos estudos todos do nosso Neabi para aquela terra santa de Zumbi dos Palmares, lá na Serra da Barriga”, enfatizou Josealdo.
Zezito esclareceu ainda que as cotas foram criadas para fazer uma reparação histórica desta população que sempre esteve à margem de todo um processo de inclusão social. Para ele, é necessário fazer uma discussão mais profunda acerca dos objetivos das cotas na contemporaneidade.
Reconhecimento
Para Zezito, o título foi resultado de uma ação coletiva. “Acho que esse título vem reconhecer todo esse trabalho que realizamos aqui na área da universidade, na área do movimento social, principalmente na área de educação do ensino básico. Trabalhamos principalmente com as comunidades remanescentes de quilombos, aqui no estado de Alagoas”, afirmou.
Junto ao movimento social negro alagoano, o professor iniciou um trabalho de pesquisa tendo como objeto os tempos religiosos de matriz africana, além de discussões acerca da juventude negra em Alagoas. Segundo ele, a questão racial ainda está muito distante do ideal, apesar de ter avanços significativos. “A matriz do preconceito ainda não foi atingida porque é estrutural, ou seja, está na cabeça das pessoas. Essa mudança é um processo educacional. Se nos ensinaram a ser racista, também há prática de nos ensinar a não ser racista”, refletiu.
Ainda segundo Araújo, o respeito às diferenças é fundamental: “Não é preciso você aceitar, mas respeitar sim. Isso é muito individual. As políticas são práticas coletivas. E estamos avançando, por exemplo, a 7.716, a lei de crime de racismo, de crime de injúria é um avanço, mas só está na lei. É preciso que aqueles que aplicam a lei vejam que aquele ato é um ato de racismo e não naturalizar aquele ato”, exemplificou.
Tombamento
De acordo com Zezito Araújo, o início de toda sua trajetória foi o trabalho realizado para o tombamento da Serra da Barriga. Segundo ele, foi um ponto fundamental porque foi provocada uma discussão que foi além da história do quilombo dos Palmares. “Trouxemos uma discussão a partir da perspectiva da liberdade trazendo para Alagoas muitos segmentos do movimento negro. Então, o tombamento da Serra da Barriga trouxe muitos ganhos, tanto para a história de Alagoas, mas principalmente para a história do movimento negro brasileiro”, ressaltou.
Nessas colocações, o professor comentou que nos últimos três meses, tem ministrado muitas formações para professores da rede pública. Segundo ele, esse trabalho tem demonstrado que esses professores desconhecem a função da cota e por que foi criada. “Eles acham é que cotas é para negros. Quando é para todo estudante originário do ensino público. Então, isso cria uma distorção, até os próprios estudantes negros e não negros, eles acham, por todo um discurso ideológico que se criou em função das cotas, que aquelas cotas vão cada vez mais o inferiorizar”, observou.
Doação de acervo
Ainda durante a cerimônia para conceder e outorgar o título e grau de Doutor Honoris Causa ao professor Zezito Araújo, foi anunciada a doação do acervo próprio do homenageado com fotografias, cartazes, gravações e vários outros materiais que contam a história do movimento negro brasileiro, nas últimas cinco décadas, para a Universidade Federal de Alagoas.
