O turismo de observação de aves vive um momento importante no Brasil. Impulsionada pela expansão do interesse dos viajantes por experiências ao ar livre, ciência cidadã e conectividade com a natureza, a atividade ganhou, recentemente, três novos instrumentos estratégicos para orientar seu desenvolvimento no país.
Durante a COP30, em Belém (PA), o Ministério do Turismo lançou o Diagnóstico de Políticas Públicas e o Guia de Boas Práticas do Turismo de Observação de Aves, materiais que aprofundam o entendimento sobre o setor e apontam caminhos para sua profissionalização, sustentabilidade e expansão.
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No dia 4 de dezembro, o terceiro e último produto foi lançado. Trata-se do Catálogo de Experiências do Turismo de Observação de Aves no Brasil. O documento é um retrato inédito e representativo de como o turismo de observação de aves vêm sendo feito no país. Reúne iniciativas públicas e privadas em unidades de conservação, territórios comunitários e empreendimentos turísticos.
Os instrumentos foram produzidos a partir da consultoria realizada em parceria com a UNESCO, conduzidos pela bióloga Cecília Licarião, responsável pelos estudos, levantamentos e pela sistematização de dados que revelam o atual cenário do turismo de observação de aves no Brasil.

Em entrevista exclusiva ao Alagoas Notícia Boa (ALNB), Cecília fala sobre tendências, os desafios estruturais e oportunidades para que o país e Alagoas avancem na consolidação desse segmento – considerado estratégico tanto pela diversidade de espécies quanto pelo potencial de geração de renda e conservação ambiental.
A publicação do diagnóstico ocorre em um momento de crescente mobilização em diversos estados, como mostra a reportagem especial “Passarinhar é Preciso – Da Caatinga à Mata Atlântica”, que nessa sexta-feira (12) foi reconhecida com o Prêmio IMA de Jornalismo Ambiental.
A reportagem, publicada em agosto, destacou o avanço da atividade em Alagoas e o papel do turismo de aves como ferramenta de conservação e desenvolvimento sustentável.
Entrevista
Nesta entrevista, Cecília Licarião detalha os principais resultados do estudo nacional, os desafios de infraestrutura e capacitação, as recomendações de políticas públicas e a posição de Alagoas nesse cenário. Ela é presidente do Instituto Retriz e possui mestrado em Ecologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
“O estudo evidencia que Alagoas apresenta avanços importantes na organização de grupos locais de observadores, na ampliação da produção de registros de biodiversidade em plataformas de ciência cidadã e na atuação crescente de condutores especializados”, revela a bióloga.

O que o diagnóstico revela sobre o crescimento do turismo de observação de aves no Brasil e o interesse dos viajantes por essa modalidade?
O diagnóstico demonstra que o turismo de observação de aves no Brasil está em expansão contínua, impulsionado tanto pelo aumento do número de praticantes quanto pela diversificação dos perfis de observadores. Os dados compilados mostram que a atividade está alcançando públicos mais amplos, incluindo pessoas interessadas em natureza, fotografia, educação ambiental e experiências ao ar livre.
Observadores de aves representam um contingente expressivo de turistas com alto nível de engajamento, elevada disposição para viajar e forte propensão ao gasto médio acima da média do turismo convencional. Os viajantes também demonstram interesse crescente por destinos menos conhecidos, desde que ofereçam segurança, qualidade ambiental, guiamento especializado e infraestrutura adequada.
O estudo mostra ainda que o Brasil se consolida como destino estratégico pela combinação de três fatores centrais: alta diversidade de espécies, presença de endemismos que atraem observadores internacionais e oferta crescente de empreendimentos, guias e atrativos especializados.
O diagnóstico aponta uma tendência clara de expansão e qualificação da atividade, com potencial para consolidar o Brasil entre os principais destinos mundiais de turismo de observação de aves. No entanto, ainda é preciso sair da informalidade e profissionalizar empreendimentos e profissionais.
O diagnóstico mostra que o turismo de observação de aves no Brasil está em clara expansão e caminhando para um processo de profissionalização consistente. Os dados coletados com guias e condutores revelam que o setor é composto majoritariamente por profissionais experientes, com forte qualificação técnica e atuação distribuída em todos os biomas do país. A predominância das faixas etárias entre 31 e 50 anos (58,7%) e o fato de mais da metade atuar há mais de seis anos (56%) evidenciam um segmento consolidado, que cresceu de forma orgânica nos últimos anos e hoje sustenta uma cadeia produtiva especializada.
O perfil educacional reforça essa tendência: mais de 75% dos profissionais possuem ensino superior ou pós-graduação, com destaque para formações em Biologia, Ecologia e áreas ambientais. Isso demonstra que a atividade está sendo impulsionada por um público com alto grau de conhecimento técnico e forte vínculo com conservação, ciência cidadã e pesquisa, um diferencial competitivo do Brasil no cenário internacional.
O aumento da demanda também é confirmado pela rotina de trabalho dos guias: 62% conduzem entre 20 e 50 atividades por ano, e 28% têm no turismo de observação mais de 75% da própria renda, indicando uma crescente dependência econômica da atividade. O padrão internacional é confirmado pela presença de estrangeiros, especialmente de mercados estratégicos como EUA, Alemanha, Reino Unido e Holanda, embora 72% do público ainda seja brasileiro, refletindo a expansão interna do interesse pela prática.
Quais são os principais desafios identificados para o fortalecimento do turismo de observação de aves no país, tanto em infraestrutura quanto em capacitação?
O diagnóstico identifica que o turismo de observação de aves no Brasil enfrenta desafios estruturais que limitam seu crescimento e sua consolidação como segmento estratégico do turismo de natureza. Esses desafios se distribuem em duas frentes principais: infraestrutura e capacitação/formalização.
No campo da infraestrutura, os profissionais apontam que a maior parte das Unidades de Conservação e áreas naturais abertas à visitação ainda não dispõe de condições adequadas para atender observadores de aves. Problemas recorrentes incluem sinalização insuficiente, trilhas sem manutenção, ausência de sanitários e abrigos básicos, falta de equipamentos como passarelas, torres e observatórios, além de dificuldades de acesso provocadas por estradas precárias e logística cara.
Em relação à capacitação e à profissionalização, o diagnóstico revela que, apesar do elevado nível de escolaridade dos guias e condutores, ainda há lacunas significativas na regulamentação e na formação técnica continuada.
A informalidade permanece predominante, com 44% dos profissionais atuando sem registro formal e apenas 29% cadastrados no CADASTUR. Do mesmo modo, somente 36% possuem o Curso Técnico de Guia de Turismo, o que evidencia uma fragilidade estrutural no processo de regulamentação da atividade.
A capacitação voltada à acessibilidade é outro ponto crítico: apenas 22% dos profissionais se consideram preparados para atender pessoas com necessidades específicas, o que limita o acesso de públicos diversos. Some-se a isso a desigualdade regional na oferta de cursos e a ausência de políticas que incentivem certificações, formação em idiomas e atualização contínua, dificultando a expansão da atividade em mercados nacionais e internacionais.
Por fim, os profissionais destacam desafios associados ao mercado e ao reconhecimento institucional. Entre os pontos mais citados estão a baixa divulgação dos destinos brasileiros, a desarticulação entre UCs, trade turístico e comunidades, os elevados custos logísticos para operar em regiões remotas e a falta de reconhecimento profissional, que impacta diretamente os valores das diárias e a renda média dos guias.
Esses fatores, combinados, apontam para a necessidade de políticas públicas específicas que reconheçam a importância econômica, social e ambiental do turismo de observação de aves e que promovam investimentos estruturais e programas de formação contínua.
O estudo aponta a necessidade de políticas públicas específicas para o setor. Que medidas ou estratégias o diagnóstico recomenda para tornar o turismo de observação mais sustentável e acessível?
O diagnóstico evidencia que, para consolidar o turismo de observação de aves como um segmento estratégico do turismo de natureza no Brasil, é imprescindível a criação de políticas públicas específicas, orientadas tanto para qualificar a experiência do visitante quanto para promover inclusão, sustentabilidade e desenvolvimento local.
Entre as principais recomendações está o fortalecimento da infraestrutura de visitação em Unidades de Conservação e áreas naturais, por meio de investimentos em sinalização, manutenção de trilhas, criação de observatórios, instalação de estruturas de apoio e melhoria no acesso às áreas de interesse.
No campo da capacitação, o diagnóstico recomenda a implementação de programas nacionais de formação continuada voltados a guias e condutores, incluindo conteúdos sobre condução responsável, primeiros socorros, legislação ambiental, acessibilidade e idiomas.
A expansão da oferta do Curso Técnico de Guia de Turismo e o incentivo ao registro no CADASTUR são apontados como ações estratégicas para reduzir a informalidade, ampliar a regulamentação e fortalecer a profissionalização do setor.
O estudo também destaca a importância de políticas que promovam inclusão e acessibilidade, assegurando que pessoas com diferentes necessidades possam vivenciar o turismo de observação de aves com segurança e qualidade.
Outra estratégia central é o fortalecimento da divulgação institucional do Brasil como destino de observação de aves, com campanhas nacionais e internacionais que valorizem a biodiversidade, o endemismo e as boas práticas realizadas em diferentes estados. A integração entre turismo, conservação e ciência cidadã também é considerada uma oportunidade estratégica, com recomendações para que governos incentivem iniciativas que conectem empreendimentos locais, centros de pesquisa, plataformas de monitoramento e comunidades.
Por fim, o diagnóstico reforça a necessidade de instrumentos de fomento e linhas de financiamento específicas para empreendimentos, condutores, comunidades tradicionais e Unidades de Conservação, garantindo sustentabilidade econômica e expandindo o impacto positivo da atividade em territórios urbanos e rurais.
Como o diagnóstico avalia a integração entre governos, iniciativa privada e comunidades locais na promoção do turismo de natureza?
A integração entre governo, iniciativa privada e comunidades ainda não ocorre de forma estruturada ou contínua, mas há oportunidades concretas para avançar. O fortalecimento da governança local, a criação de comitês regionais de turismo de natureza, a presença ativa das prefeituras nas estratégias de visitação e a inclusão de comunidades tradicionais nos processos de planejamento são apontados como caminhos essenciais para consolidar o turismo de observação de aves como atividade sustentável, inclusiva e economicamente relevante para o país.
O Brasil possui modelos consistentes de boas práticas relacionadas ao turismo de observação de aves, presentes tanto em Unidades de Conservação quanto em RPPNs e áreas privadas. No Nordeste, destacam-se iniciativas que se tornaram referência pela qualidade da estrutura, pelo manejo responsável da visitação e pela integração entre conservação, turismo e cultura local.
No Ceará, o Sítio Pau Preto, em Potengi, apresenta um modelo exemplar de empreendimento privado que combina hospedagem especializada, comedouros, bebedouros, trilhas e ações de valorização da cultura sertaneja, articulando hospitalidade, biodiversidade e identidade local.
Na Bahia, dois casos se destacam: o Lagedo dos Beija-flores, reconhecido pela proximidade com espécies emblemáticas e pela operação responsável em ambiente semiárido; e a experiência de Canudos, conduzida pela Fundação Biodiversitas, que se consolidou como referência nacional em manejo de visitação para observação das araras-azuis-de-lear, com controle rigoroso do número de visitantes, horários definidos e protocolos específicos para reduzir impactos sobre o comportamento das aves.
Somam-se a esses exemplos as ações de Fernando de Noronha, onde o Aves de Noronha, em parceria com o ICMBio, implementa iniciativas de educação ambiental, comunicação visual, trilhas suspensas e capacitação contínua de guias locais, fortalecendo o turismo de observação de aves como ferramenta de conservação e engajamento comunitário.
Esses casos demonstram que o Nordeste vem desenvolvendo práticas robustas e replicáveis, capazes de inspirar outros territórios na construção de experiências sustentáveis e alinhadas à conservação da biodiversidade.
De que forma Alagoas é retratada no diagnóstico nacional?
No diagnóstico nacional, Alagoas é retratada como um estado com potencial crescente para o turismo de observação de aves, mas que ainda se encontra em processo de estruturação e consolidação dessa atividade.
Embora existam iniciativas de guias, pesquisadores e observadores locais, Alagoas ainda carece de uma estratégia mais ampla e coordenada que reconheça o segmento como oportunidade de desenvolvimento sustentável, especialmente considerando sua diversidade de ambientes costeiros, estuarinos, remanescentes de Mata Atlântica e áreas de transição com Caatinga.
O estudo evidencia que Alagoas apresenta avanços importantes na organização de grupos locais de observadores, na ampliação da produção de registros de biodiversidade em plataformas de ciência cidadã e na atuação crescente de condutores especializados.
No entanto, esses esforços ainda acontecem de forma descentralizada, sem articulação sistemática com órgãos governamentais, trade turístico ou gestores de áreas protegidas.
Em síntese, Alagoas demonstra avanços importantes em termos de mobilização social e engajamento de observadores, mas ainda precisa consolidar uma estratégia clara e integrada que fortaleça a atividade, amplie infraestrutura e promova capacitação.
